segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Nova Revolução Francesa

Bom, o negócio é o seguinte, descobri nas minha fuxicações uma coisa muito boa mesmo e gostaria de compartilhar com todos os queridos não-leitores deste estimado blog e como nossas ilustríssimas ervas estão em repouso no momento acho que elas não vão se importar em compartilhar o espaço com pessoas tão talentosas quanto elas. Então, vamos lá:


Hand Written,
Hand Made

Palavras feitas a mão

Carmen Lemarck


A vida em suspensão: elétrons que vagam sem núcleo, que não se atraem nem se repelem. Um breve pulsar me leva ao centro da terra, onde tudo é inóspito e frio, onde talvez eu more, no escuro veio da raiz. Há água em abundância, porém no mais terrível estado da matéria: o que não pode ser bebido nem respirado, o mais difícil pra mim, o que tem que ser mastigado, deglutido, engolido. Não gosto de mastigar, prefiro sempre sorver e respirar.

Gosto de deitar na areia e ouvir a respiração dos siris, cavando nas profundezas, e sentir medo de ter o tímpano arrancado por uma pinça afiada. E cavar a terra e encontrar as minhocas, não sei como conseguem viver com a responsabilidade de fazer a terra respirar. São esses pequenos seres que fazem o mundo respirar. No meu mundo esses seres foram extintos, se solidificaram depois da última era glacial.


Os seres do movimento foram aprisionados dentro das pedras de gelo, talvez eles ressurjam depois que o aquecimento global borbulhar os mares congelados da terra. Mas agora, lá no veio da raiz, a água só se solidifica. Não há mais terra nem mar, só gelo, distante e frio gelo. Os siris não pinçaram meus tímpanos e não há mais tímpanos pra pinçar: estou surda ou desaprendi a escutar.


A tartaruga quando entra no casco, o avestruz quando enfia a cabeça na terra, eu quando fecho os olhos, tampo os ouvidos e não respiro por alguns minutos: somos todos abstrações do mundo, negações da existência, desistências da vida.


Um tubarão pré-histórico e incrível saiu das profundezas do oceano pra morrer na superfície. Só morrendo se alcança a superfície? Queria alcançar a superfície antes... Por que o segredo do mundo se esconde no profundo oceano? Pra que se quer mesmo saber o segredo das coisas, o que vem antes, a coisa primeira? Queria ser mais gaivota e menos concha. Queria ter mais bordas, mais beiras.


O começo da coisa primeira me parece tão óbvia quanto estar no útero, a consciência dissipada na água, a idéia do feto de ser mãe, placenta e filho, tudo ao mesmo tempo, sem saber o que é tudo. É uma idéia de feto que nem é mesmo idéia, porque ainda não existe a idéia da idéia. Nascer é a primeira transgressão e o primeiro aprisionamento. Transgride-se a ilusão de comunhão do feto e passa-se a condição de aprisionamento do indivíduo único. A consciência vai pro aquário onde não nadam os peixes. A possibilidade de ser e saber tudo, e a fatalidade de não capturar nada.Nasce-se porque se tem que nascer, o parto é sangue, é pranto, é suor, nasce-se forçado.


Nascer é até fácil, difícil é permanecer nascido. Difícil é quebrar a casca do ovo, bicada por bicada, difícil é comer a seda do casulo, mordida por mordida, e nascer com asas moles de manteiga. Difícil é transpor a barreira dos elementos, viver onde se é estranho. Permanecer é fácil, difícil é transcender.


Quero sentir de novo o gosto fresco da primeira gota de leite. Eu, que já tinha nove meses de velhice uterina e outros infinitos anos moleculares; eu, que quase morro asfixiada antes de nascer; eu, que tomei fôlego e consegui sentir o frescor da primeira gota de leite quente, quero, depois de uns tantos anos de terra, sentir de novo o frescor da gota de vida primordial. Quero o primeiro respiro, o primeiro choro, o primeiro sorriso. Quero ver a flor pela primeira vez. Quero olhar o mundo com a mesma surpresa e estupefação de quem acaba de nascer.
Bom, por enquanto é isso, mas quem quiser mais: http://indignissimoser.blogspot.com/